“Ministério Público pede na Justiça o reembolso de tarifas cobradas indevidamente pelo Itaú Unibanco, HSBC e Santander
Os três principais bancos do país foram acionados na Justiça e, caso percam, terão que ressarcir os seus clientes pela cobrança indevida de tarifas bancárias entre 2008 e 2010. A ação pública aberta pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro contra o Itaú-Unibanco, o Santander e o HSBC pede R$ 1 bilhão em indenização para os correntistas.
O questionamento judicial ocorreu porque as instituições ignoraram uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), publicada em 30 de abril, que listou todos os serviços que podiam ser cobrados dos consumidores, segundo explicou o procurador Claudio Gheventer. Os bancos continuaram a recolher valores relativos às tarifas fora do padrão.
Segundo o procurador, o Santander angariou dessa forma R$ 351,6 milhões a título de comissão de disponibilização de limite entre abril de 2008 a junho de 2009. Contra o Itaú-Unibanco, a acusação é pela cobrança de comissão sobre operações ativas (R$ 100,8 milhões), comissão de manutenção de crédito (R$ 80,4 milhões) e multa por devolução de cheques (R$ 64 milhões). Já o HSBC responde pelo recolhimento indevido da comissão de manutenção de limite de crédito (R$ 7,6 milhões) de dezembro de 2008 a março de 2009. Na conta de R$ 1 bi entra o ressarcimento em dobro, por apropriação indevida, solicitada pelo Ministério Público (...)
Pelas informações repassadas ao Ministério Público pelo Banco Central, os três bancos já se comprometeram a restituir quase R$ 180 milhões. O Santander aceita pagar R$ 64 milhões e o Itaú-Unibanco disse que vai creditar R$ 43 milhões. De acordo com o procurador Gheventer, os bancos não estão considerando todo o período da cobrança indevida e muito menos o ressarcimento em dobro”
Entender como e por que isso acontece ajuda a compreender muito do direito brasileiro atual.
Os três cobravam de seus clientes pequenas quantias, como por exemplo uma taxa de 0,49% por mês - chamada de taxa de manutenção de crédito - sobre o valor limite do cheque especial. Como se o banco dissesse ao seu cliente: você tem um crédito à disposição, que pode usar quando quiser; se usar, paga juros, se não usar paga, sobre o valor que poderia usar.
Essa taxa, e outras do mesmo tipo citadas na matéria, foram consideradas ilegais. Consideradas ilegais pelo Banco Central (Bacen), no seu papel de fiscalizador. Ilegais porque foram contra uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Reparem que o Bacen e o CMN, mencionados na matéria acima, são órgãos do poder Executivo: o CMN (poder Executivo) fez uma regra e o Bacen (poder Executivo) fiscalizou seu cumprimento. Como não foi cumprida, o Ministério Público (também poder Executivo) apresentou uma ação contra os bancos.
Reparem que tanto a regra quanto a fiscalização foram feitas pelo poder executivo. Esse modelo atualmente é comum e, para pô-lo em prática, o governo mantém diversas autarquias para assuntos específicos. Para os bancos, quem atua é o Banco Central, para as empresas de telecomunicações, a Anatel, para as empresas de aviação civil a Anac e assim por diante. No total, já vimos aqui, temos atualmente, na esfera federal, 11 agências reguladoras.
Normalmente os danos causados a um cliente seria cobrado em uma ação movida pelo próprio cliente lesado. O banco me cobrou, debitando na minha conta, uma taxa indevida; eu vou à Justiça e peço que mande o banco me devolver, com multa e juros, o valor que me foi ilegalmente cobrado. Mas, é claro, não compensa a ninguém ir à justiça para cobrar valores que, por mais ilegais que fossem, acabavam sendo insignificantes. Imagine mover uma ação contra o banco para cobrar dele, digamos, menos de cinco reais de taxa sobre um limite de mil reais de crédito!
O governo tem poderes para agir em nome e por conta dos clientes lesados. Além das agências reguladoras, existem órgãos do Ministério Público (as chamadas procuradorias especiais), com poderes de entrar em juízo em assuntos específicos.
O Ministério Público pode, assim, entrar na Justiça e pedir que ela ordene que o banco indenize os clientes, mesmo que os clientes não tenham notado o desfalque em suas contas. Isso porque ele não está pedindo a indenização para um cliente (ele não é o advogado de um cliente), mas para todos os clientes lesados. De uma só vez. E mais: o banco tem que identificar quem foi lesado, calcular o valor devido, e já ir debitando na conta. O banco, é claro, tem a possibilidade de contestar, argumentar que o Banco Central está errado, que as taxas cobradas são legais. Mas uma coisa é brigar com um particular; outra é brigar com o governo, com seu poder fiscalizador e sua poderosa organização de atuação judiciária. Com o governo, os bancos sabem que a coisa não é fácil e, como diz a notícia, muitas vezes preferem não brigar judicialmente, e fazem um acordo rapidamente
Coisa semelhante ocorre com companhias aéreas, de seguro de saúde, de telecomunicações, de ônibus, e até com fábricas ou lojas que produzem e vendem aparelhos eletrodomésticos. A lei reconhece aquilo que chama “interesse público coletivos e difuso”. Atos que prejudicam diretamente os interesses de vários particulares. Coletivo quando – como no caso da matéria acima – é possível determinar quem sofreu o prejuízo. Difuso quando nem isso é possível (uma queimada ou a poluição do ar, por exemplo).
PS: Reparem que no penúltimo parágrafo, perdido lá no fim, a matéria diz 'ressarcimento em dobro'. Isso porque o nosso Código de Defesa do Consumidor prevê que quem cobra errado (no caso, o banco) deve pagar em dobro o que cobrou erroneamente. Se a empresa te cobra algo pelo qual você já pagou ou que você não deve, a empresa terá de ressarcir o que cobrou erroneamente, além de pagar um valor idêntico a mais a você. Se ela te cobrou R$ 10, terá de reembolsá-lo os R$ 10, mais outros R$ 10 pela cobrança indevida.